A terapeuta ocupacional e diretora do INSTITUTO SER Claudia Dubbard falou à revista Metrópole nesse domingo, 17 de fevereiro. A especialista discorre sobre a lei 12.764/2012, que amplia os direitos das pessoas com autismo, e ainda explica as características da síndrome. Confira abaixo a entrevista completa:
Um novo olhar para o autista
Benefícios: política nacional aprovada no final de 2012 amplia os direitos dos portadores dessa síndrome que, apesar dos avanços, ainda intriga os pesquisadores
Autistas e suas famílias começaram 2013 com uma boa notícia. Em dezembro, a presidente Dilma Rousseff (PT) sancionou a lei que institui a Política Nacional de Proteção da Pessoa Autista, para garantir os benefícios legais dos portadores da doença, desde a reserva de vagas em empresas com mais de cem funcionários até o atendimento preferencial em bancos e repartições públicas. Na avaliação da terapeuta ocupacional e diretora do Instituto Ser Claudia Dubbard, um dos grandes avanços da legislação é o direito à educação. Segundo ela, há a opção de matricular o autista na escola regular pública ou particular de preferência dos pais ou do aluno, com acompanhamento específico para suas necessidades, ou em instituição específica para portadores da síndrome, com despesas pagas pelo Estado.
Para a lei 12.764, “são consideradas pessoas com transtorno de espectro autista as portadoras da síndrome caracterizada por deficiência persistente e significativa da comunicação e da interação sociais, com padrões restritivos e repetitivos de ações, interesses e atividades, manifestados em comportamentos sensoriais incomuns, motores ou verbais estereotipados”.
Metrópole – O que muda para os autistas com a aprovação dessa nova política?
Cláudia Dubbard – Antes da lei as pessoas estavam muito restritas aos atendimentos, às possibilidades de a criança estar inserida numa escola e aos recursos que elas poderiam adquirir. Com a nova legislação, amplia-se o acesso a ambientes e à inclusão escolar, aos medicamentos e tratamentos. Há alguns anos era difícil diagnosticar o problema e saber as causas. De um tempo para cá, os olhares clínicos se ampliaram, a genética se desenvolveu, especificando as possibilidades de atendimento e de atenção que se pode oferecer às famílias e aos portadores da deficiência. É um olhar bastante respeitoso para as pessoas com autismo.
E como essas pessoas têm seus direitos garantidos?
A lei é bastante ampla. A família passou a ter acesso à medicação, prioridade de atendimento em filas e incentivo a pesquisas relacionadas à síndrome. Esses direitos passaram a ser reconhecidos e legitimados. A escolarização é um dos pontos mais importantes, e a instituição escolhida tem que criar condições de atendimento a essas crianças. Os pais têm opção de deixar o filho numa escola da rede de ensino ou escolher uma instituição com atendimento especializado e equipes transdisciplinares. Nos dois casos, pode-se optar por unidades públicas ou particulares, estas últimas pagas pelo Estado. Porém, para ter os direitos garantidos ainda é preciso um processo judicial. A necessidade deve ser comprovada com laudo médico e avaliação de outros profissionais.
A senhora disse que antes era difícil diagnosticar o problema. Algo mudou ultimamente?
O investimento na ciência vem crescendo e a investigação dos casos, até para se diagnosticar um padrão mais universal, também se ampliou. O entendimento atual é que há um bebê autista a cada 150 nascimentos, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). É uma ocorrência maior do que no caso de diabetes, por exemplo.
Essa taxa deve-se ao aumento no número de casos ou de diagnósticos?
Há dois anos, falava-se que um em cada 500 bebês nascia autista. Hoje em dia, o número é maior porque o diagnóstico está correto. Crianças tidas como portadoras de problemas comportamentais ou emocionais agora são diagnosticadas corretamente como autistas, graças à utilização de testes adequados. Por outro lado, o número de deficiências também está aumentando. Há até cientistas que defendem a tese de que a genética desses problemas fica mais forte com o passar das gerações.
Então, o autismo é um problema genético?
Ainda não se consegue mapear exatamente o gene causador, o segmento do cromossomo que é responsável pelo autismo. Mesmo que muitos genes sejam pesquisados, o estudo está bastante focado em determinadas estruturas e, em breve, teremos respostas mais claras.
Em famílias com autistas, a probabilidade de haver outros casos é maior?
Sim, percebemos isso. A síndrome passa, especialmente, da mãe para os filhos. Procuramos sempre investigar os casos e vemos que há pelo menos um parente, mesmo que mais distante, com o problema.
A doença atinge mais meninas ou meninos?
Geralmente, as meninas são bem comprometidas. Em média, a cada cinco crianças autistas, quatro são meninos. As meninas, porém, são atingidas de forma mais grave.
O autismo afeta as áreas social, cognitiva e de linguagem. Para ser diagnosticado com o problema, é necessário que haja comprometimento nessas três áreas ou em apenas um ou duas?
No autista, o problema sempre existe nas três áreas. Pode ser em maior ou menor grau, mas há sempre algum comprometimento. O pode acontecer é a pessoa estar melhor numa área do que a outra e até apresentar problemas motores. Em geral, autistas são pessoas inteligentes.
E como os pais podem perceber que o filho é autista?
Há duas situações. Em algumas crianças é possível perceber já no início da vida, pois elas têm o olhar vago, não dirigido, choram muito ou choram pouco demais e não se voltam a barulhos. O problema pode ser manifestar mais tarde, por volta dos 2 anos e meio, quando há uma ruptura do desenvolvimento e a criança deixa de falar, de se comunicar e de interagir. Os sinais, no entanto, começam realmente antes dos 18 meses.
E há cura?
Não. O autismo é para a vida toda, mas com o tratamento e, especificamente, estimulação precoce, logo que se descobre a síndrome, a pessoa tem uma vida normal. Na fase adulta, autistas são excelentes profissionais, desde que mantenham uma rotina.
Quando os pais percebem comportamentos incomuns no bebê, quais profissionais devem consultar?
O médico psiquiatra é o primeiro a ser procurado, mas, depois do diagnóstico, é necessário um trabalho multidisciplinar. Entretanto, antes de qualquer coisa, é preciso que os pais aceitem que há um problema e que deve ser cuidado, porque é comum eles se negarem a acreditar que o filho é diferente.
O tratamento é feito com remédios?
Não necessariamente. Muitos autistas precisam ir ao psicólogo e tomar remédios para sempre, mas outros não, vão montando sua trilha de desenvolvimento sem auxílio de medicamentos. Os profissionais iniciam o tratamento para desenvolvimento global e têm que estar atentos às mudanças, para ajudar seus pacientes no caminhar. O importante é pensar e traçar os planos para a criança naquele momento. Atingindo os objetivos, pensa-se na próxima etapa.
O que precisa ser evitado em qualquer fase?
Autistas não têm noção de perigo. Para eles, tudo é real e a organização do pensamento, literal. Então é preciso cuidado na escolha das palavras mais adequadas na comunicação. Não se pode usar ironias, por exemplo. Eles não gostam de tumulto, de lugares com muita gente. Autistas têm uma sensibilidade auditiva muito grande. Por isso, tudo é processo de preparação para aceitar novas situações e novas rotinas.